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Amparo aos pobres e atenção à economia marcam as cidades mais 'lulista' e 'bolsonarista' de SC

Por Rádio Princesa da Ilha FM 98.3 em 23/10/2022 às 07:23:17

Benedito Novo e Entre Rios deram a Bolsonaro e Lula, respectivamente, as maiores votações percentuais entre os 295 municípios de Santa Catarina. Entre Rios e Benedito Novo: as cidades mais 'lulista' e 'bolsonarista' de SC

Tiago Ghizoni/NSC - Patrick Rodrigues/NSC

Municípios pequenos e com influências indígena e da colonização europeia deram, no 1º turno, a maior votação percentual para Lula (PT) e Bolsonaro (PL) entre as 295 cidades de Santa Catarina. Os dois, que polarizam a disputa nacional, concorrem no próximo domingo (30) à presidência da República.

Entre Rios, no Oeste catarinense, deu 67,41% dos votos válidos para o ex-presidente Lula. Benedito Novo, no Vale do Itajaí, teve 78,41% de votantes em Bolsonaro.

As origens das cidades e como a pequena economia delas é movida, ajudam a explicar os motivos que levaram às votações expressivas dos dois candidatos.

No 1º turno, Bolsonaro teve ampla votação em Santa Catarina, com 62,21% dos votos válidos, contra 29,54% de Lula. Foram 2.694.406 votos do candidato à reeleição diante de 1.279.216 do petista.

Equipes da NSC visitaram as duas cidades a uma semana da eleição para entender o fenômeno lulista e bolsonarista em cada uma delas.

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Benedito Novo: economia para superar o assistencialismo

Vista da entrada de Benedito Novo, no Médio Vale do Itajaí

Patrick Rodrigues/NSC

Com 78,79% dos votos válidos para Bolsonaro, pelo menos quatro de cada cinco eleitores de Benedito Novo votaram no atual presidente e candidato à reeleição. Pelas ruas da cidade de cerca de 12 mil habitantes, as bandeiras do Brasil penduradas nas casas, carros e até cones nas ruas mostram o apoio.

'Encravada' no Médio Vale do Itajaí, a maior parte da população de Benedito Novo busca saber quem foram os cerca de 1 mil eleitores que votaram em Lula.

Quem vota no PT?

"O povo está revoltado de ter tido mais de mil votos para o PT. Você não ouve ninguém falar que vota no Lula. Como é que ganhou isso tudo?", questiona Elisabete Fernandes, de 49 anos.

Sentada perto do balcão da pastelaria que é proprietária no Centro da cidade, ela conta que os comerciantes aprovam o governo de Bolsonaro.

"Aqui, não tem necessitados, dificilmente vem alguém pedir comida. Os preços dos alimentos estão caros, mas dá para levar", conta a comerciante.

Elisabete e Sônia trabalham em pastelaria de Benedito Novo

Patrick Rodrigues/NSC

Na cozinha do estabelecimento, a funcionária Sônia de Fátima Ribeiro, de 45 anos, discorda da patroa com um franzir de testa enquanto lava a louça.

"É verdade, tem bastante emprego, mas nem todo mundo tem as mesmas condições. Tem quem não consiga mais comprar feijão. Não acho que a vida tenha melhorado", relata a funcionária, que diz ter anulado o voto no primeiro turno.

Apesar da fala de Elisabete apontar que não há "necessitados" em Benedito Novo, são 391 famílias da cidade que têm algum tipo de ajuda do governo, das quais 134 delas recebem o Auxílio Brasil e outras 141 são contempladas ccom o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário-mínimo ao idoso com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência de qualquer idade.

Ainda sobre assistencialismo, o morador David Neitzke, que trabalha em uma borracharia com o pai, opina que outras regiões do país votam em Lula pelos benefícios sociais.

"Por que o lado de cima (do mapa do Brasil) é vermelho? Porque lá precisam de mais assistencialismo. Aqui, não trabalha quem não quer", acredita Neitzke.

Para ele, só não vota em Bolsonaro quem tem inveja dos patrões, que ganharam mais dinheiro nos últimos anos e também quem é desinformado ou malandro.

David Neitzke em frente à borracharia que administra com o pai

Patrick Rodrigues/NSC

Economia em movimento

Benedito Novo tem a economia voltada na energia elétrica, indústria, com duas empresas de papel e madeira na cidade, além da agricultura, com o potencial para o arroz.

A cidade também carrega traços da colonização alemã, polonesa e italiana, que pode ser percebida na arquitetura e nas tradições. David Neitzke conta que a economia nos últimos anos permitiu ampliar a borracharia que atua com o pai para um galpão maior.

Ele espera a vitória de Bolsonaro para, segundo ele, "pagar menos impostos". Crê ainda que o presidente possa "diminuir o estado".

"Tudo que é estatal é horrível, a privatização é melhor", diz.

Sem divergências

Para a prefeita Arrabel Lenzi Murara (MDB), apesar da ampla maioria bolsonarista, o clima é pacífico na cidade e algumas discussões ficam mais restritas às redes sociais.

"Até porque o outro lado [esquerda] fica mais quieto, não se manifesta no dia a dia. Mas merece o nosso respeito. Aqui, tudo é muito pacífico. Acho que a cidade escolheu Bolsonaro por ser mais conservadora, por conta desse sentimento que tomou conta da nossa região", avalia.

Arrabel, que se diz conservadora, tem com o partido a maioria também na Câmara de Vereadores, com o MDB ao lado do PP, partido que apoia Bolsonaro atualmente.

O PP também se esteve à frente da prefeitura com Jean Michel Grundmann, que atuou até 2020. Para ele, os eleitores da cidade carregam os aspectos da disciplina oriundos da colonização europeia.

"O perfil do eleitor é votar na pessoa, não na sigla. Os escândalos do PT fizeram com que outro candidato fosse escolhido. Outro fator é que as pessoas são de origem europeia, a qual a disciplina é fundamental. E o candidato que representa esses critérios de disciplina, da pauta da família e etc, é melhor recebido", conclui.

Cone no meio de rua em Benedito Novo com adesivos do número de Bolsonaro

Patrick Rodrigues/NSC

Oposição com respeito

Entre os eleitores de Lula na região está Rose Mengarda, que atua há 17 anos como contadora na prefeitura de Benedito Novo. Apesar de morar na cidade vizinha de Timbó compartilha da rotina diária da cidade mais bolsonarista de Santa Catarina.

"A democracia tem que ser pautada em respeito. Não tem como entrar em embate, tudo tem dois lados", diz Rose.

Para ela, a população rejeita o PT por conta dos casos de corrupção que vieram à tona durante o governo petista. E a preferência por Bolsonaro é baseada na cultura mais conservadora que a região carrega.

Entre Rios: população pobre e origem indígena

Com uma economia baseada na agricultura familiar, o município de Entre Rios tem uma população estimada de 3.232 habitantes, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O local, que fica a 549 quilômetros de Florianópolis, deu 67,42% dos votos para Lula. Ou seja, dois de cada três votos válidos foram no petista.

O resultado foi puxado, principalmente, pelos eleitores mais pobres. Para eles, a preferência está atrelada a dois motivos: os auxílios oferecidos nas gestões petistas e o olhar à população mais carente.

Cidade de Entre Rios, que teve a maior porcentagem de votos para Lula no 1º turno em SC

Tiago Ghizoni/NSC

Entre Rios tornou-se município em julho de 1995, durante o governo de Paulo Afonso Vieira (MDB). Antes, a região pertencia às cidades de Xaxim e Marema. O povo nativo é formado pelos indígenas tupis guaranis e kaingangs, que representam boa parte da população.

Para chegar até o município, a estrada é de terra. São cerca de 17 quilômetros desde a entrada na SC-156, próximo a Lajeado Grande, até o Centro da cidade. Antes, o motorista ainda passa pela ponte sobre o Rio Chapecozinho, recém-inaugurada.

"A ponte foi inaugurada na festa do município, este ano, em 19 de julho. Antes, nós não tínhamos", disse a comerciante Cleonice de Silva, que mora há 51 anos em Entre Rios.

Estrada de terra no município de Entre Rios, Santa Catarina, cidade que mais votou em Lula em SC no 1º turno

Tiago Ghizoni/NSC

Depois, a estrada de chão se junta ao paralelepípedo na Aldeia Paiol de Barro, local onde vivem os povos originários da região. Nas casas, adesivos em apoio ao atual prefeito, João Maria Roque (MDB), estampam as janelas, assim como bandeiras das chapas que disputaram a eleição para cacique na região em maio, que teve como vencedor Osmar Barbosa, o Nego.

Votação em Lula

É no território indígena que o ex-presidente Lula tem a maior parte do eleitorado em Entre Rios. Dos 544 eleitores que compareceram às duas seções eleitorais da Escola Indígena de Ensino Fundamental Paiol de Barro, 499 votaram no petista, enquanto Jair Bolsonaro (PL) recebeu 45 votos, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Os indígenas, na realidade, sempre votaram no PT. Fora da reserva, já não é tanto. Mas dentro da reserva, a maioria é petista. O partido do PT aqui é bem forte. Além disso, a população pobre sempre vota no PT", disse o vice-prefeito de Entre Rios, Joel Pereira (União Brasil).

Os votos não se restringiram apenas à área indígena. De acordo com o TSE, Lula venceu em todas as oito seções eleitorais do município. Ao todo, o petista recebeu 67,14% dos votos no 1º turno (1.594 no total), enquanto Bolsonaro teve 27,42%.

A votação expressiva, porém, não impediu que ao adentrar na área urbana da cidade, fosse possível ver carros adesivados com o número do partido do candidato à reeleição na Presidência da República.

Além de Entre Rios, outros 31 municípios catarinenses também deram a maioria dos votos a Lula no 1º turno, o que representa 10,84% do total.

Nem em 2018 Bolsonaro venceu no local, que acumula sucessivas vitórias ao PT nos últimos 20 anos. Na época, no 1º turno, o então candidato do partido à presidência da República, Fernando Haddad, recebeu 73,57% dos votos contra 26,43% de Bolsonaro.

Da energia elétrica à casa própria

A aposentada Maria Nogueira está entre aqueles que votaram no 1º turno no ex-presidente Lula. Com a voz calma, ela lembrou que foi no governo petista que conseguiu a casa em que vive com o filho, na Aldeia Paiol de Barro.

"Antes eu morava numa casinha de madeira. Daí, veio esses projetos da Minha Casa, Minha Vida, fiz o cadastro e consegui. Paguei né, quatro anos, paguei parceladinho, mas é da gente. Se a gente vai pegar e fazer uma casa, como a gente vai fazer ganhando um salário mínimo?", contou a aposentada.

Maria Nogueira, moradora de Entre Rios

Tiago Ghizoni/NSC

Por outro lado, ela alega que os últimos anos foram difíceis. Além de perder o benefício que o filho com deficiência recebia, o preço dos alimentos também impactou na renda da casa.

"Nós fazíamos um rancho para passar um mês com R$ 500, R$ 600, e agora com R$ 1 mil não dá para passar o mês. Está tudo muito caro", desabafou.

A poucos metros dali, Gilberto Vieira, ou Beto como é conhecido, limpa, junto com a esposa, os resquícios da festa que fez para a comunidade no feriado de Nossa Senhora Aparecida, enquanto o rádio toca uma música sertaneja.

A energia, que alimenta o aparelho, inclusive, foi algo que ele elenca como um dos benefícios do governo do PT à comunidade. "Ele trouxe energia elétrica, aqui nós só usávamos vela", disse Vieira.

Para o diretor de departamento da Prefeitura de Entre Rios, Osmar Tomás, o fato de a população mais pobre ter recebido uma série de benefícios durante os governos petistas contribuiu diretamente para o eleitorado de Lula no município.

"Quem vive no interior, quem é mais pobre, tem que pensar mais na parte do Lula. Ele ajudou da outra vez. Até na parte do salário ele igualou para todo mundo. Já pela parte rica, se continuar o Bolsonaro, para eles está bom, porque o valor está lá em cima", afirmou Tomás.

Osmar Tomás, morador de Entre Rios, Santa Catarina

Tiago Ghizoni/NSC

Também há aqueles no município que optaram por votar no ex-presidente para mudar o atual cenário, como o técnico agropecuário Evandro Freschi:

"Acho que [os eleitores] querem mudança. Não foram muito com a administração do Bolsonaro, vamos aproveitar para dar mais um voto de confiança para o Lula. Essa é a primeira vez que voto nele", disse Freschi.

Eleitores de Bolsonaro

Em um bar localizado no Centro da cidade, Giovani Rodrigues senta em uma das cadeiras e aproveita o fim da manhã com alguns conhecidos que escolheram o mesmo local para uma roda de conversa. Entre os assuntos, as eleições deste ano.

"Conta por que você vai votar no Lula? Eles acreditam muito na conversa", alegou o vigilante, de 35 anos.

Moradores de Entre Rios conversam sobre política em bar

Tiago Ghizoni/NSC

Eleitor assumido de Bolsonaro, ele atribui a alta votação para o PT no município pela falta de conhecimento da população e a acomodação que os auxílios oferecem aos mais carentes.

"Na época do Lula, eu tinha 15, 16 anos. Trabalhava por dia e ganhava R$ 7 por dia. Naquela época, o preço da cerveja era R$ 1,50, então, em um dia de serviço, não dava para você tomar cinco cervejas. E hoje, qualquer um aqui, até eu que pago para os piás fazerem uma diária, pago R$ 100, digo: 'olha quantas cervejas você toma com um dia trabalhando?'. Compara com gasolina, compara com qualquer outra coisa que tinha na época. Mas o pessoal não faz o cálculo. Eles acham que se o Lula voltar, ele vai dar as coisas", disse Rodrigues.

Dona de um dos poucos comércios de Entre Rios, Cleonice da Silva, 51 anos, também afirmou que votou em Bolsonaro no primeiro turno. Para ela, o presidente fez um bom governo.

"Olha, para mim, ele fez um bom trabalho. Apesar de tudo ter ficado fechado, para nós do comércio ele foi muito bom. Já meu marido não votou no Bolsonaro, votou na [Simone] Tebet no primeiro, mas no segundo turno vai de Bolsonaro", contou ela.

O professor Geocimar Baggio, 41 anos, afirmou que vai se abster no segundo turno. Ele, que votou em Simone Tebet (MDB) em 2 de outubro, disse que o que faz com que ele não tenha uma escolha é a falta de propostas entre os candidatos.

"Tem erros tanto de um lado quanto do outro. Votei na Tebet no primeiro turno uma porque sou professor e ela é professora. Além de que ela foi a única que expôs plano de governo, os outros só se atacaram e, até hoje, tanto o Bolsonaro quanto o Lula, nenhum dos dois apresentaram o plano de governo", justificou o professor.

Divergência, mas compreensão na prefeitura

Desde 2020, Entre Rios é administrada por João Maria Roque (MDB) – que foi o primeiro vereador indígena do município, eleito em 1995 – e Joel Pereira (União Brasil). Apesar de ambos, no primeiro turno, terem feito campanha para a reeleição do atual governador Carlos Moisés (Republicanos), na disputa presidencial, a escolha deles é divergente.

"Nós sempre temos um lado para acompanhar. Vou acompanhar o Bolsonaro, já o prefeito vai para o PT. Mas nós nos acertamos", Pereira.

O vice-prefeito afirmou que, tanto durante o governo Bolsonaro quanto no governo Lula, o município recebeu recursos para melhorias. O prefeito João Maria Roque (MDB), no entanto, alegou que com Bolsonaro o repasse dos recursos ficou mais escasso e que, com Lula, houve um maior apoio aos pequenos municípios.

Prédio da Prefeitura de Entre Rios, onde prefeito e vice divergem sobre voto para presidente

Tiago Ghizoni/NSC

Roque contou que no primeiro turno votou em Simone Tebet, também do MDB. Sobre uma possível divergência por conta da escolha por Lula no segundo turno, ele é enfático:

"Tenho parceiros que são da cidade que são Bolsonaro, mas eles são compreensivos com a minha escolha, eu não vou ter problema com eles".

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Fonte: G1 SC

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