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Lideranças femininas criam oportunidades para comunidades em Florianópolis: 'A gente pode ser esperança de mudança'

Por Rádio Princesa da Ilha FM 98.3 em 08/03/2022 às 05:59:23

Presença de mulheres nesses espaços se mistura com a história dos próprios bairros, diz pesquisadora. Jaqueline é líder comunitária do Monte Cristo

Reprodução/NSC TV

Nas comunidades de Florianópolis, mulheres ajudam a criar oportunidades e empoderar os moradores. Desde o início dos bairros, elas têm feito a diferença nesses locais, segundo a pesquisadora e antropóloga da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Cauane Maia, que analisou o protagonismo feminino na comunidade do Mont Serrat, no Centro da capital.

A líder comunitária do Monte Cristo, Jaqueline de Sousa Ribeiro, afirmou que há desafios, mas é preciso acreditar.

“Aqui uma das principais demandas é a desigualdade social e racial. Isso é muito forte. É uma demanda que vem de antigamente e que prevalece hoje. [Isso não me frusta] Mas me dá uma força de que, se lá atrás não conseguiram trazer essa mudança, a gente pode ser esperança desta mudança acontecer agora”, afirmou Jaqueline.

Machismo

Maria Lucelma de Lima, conhecida como Celma, é líder comunitária da Serrinha, na Servidão dos Lageanos, desde 1985. Ela conta que a vontade de ajudar os outros sempre fez parte da vida dela, mas, quando isso se tornou mais latente, desafios surgiram da própria família.

“Eu tinha problema em casa, me perguntavam se eu já ia sair para uma outra reunião, que horas eu iria voltar. Hoje isso está melhor, mas no começo foi mais difícil”, relembrou Maria Lucelma.

Celma, líder comunitária na Serrinha

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A microempreendedora individual Daiane Cristina Piccoli, que levou para a mesma comunidade projetos sobre educação política, enfrenta desafios externos.

“A gente tem um machismo estrutural muito grande dentro das comunidades, acredito que isso tem que ser quebrado. Inclusive quando uma mulher fala de política. Tem ainda essa do homem não querer que a gente fale de política”, disse Daiane.

Daiane, que atua na comunidade da Serrinha

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Morro das mulheres

No Mont Serrat, segundo a pesquisa de Cauane Maia, o protagonismo das mulheres foi o que criou estratégias e ferramentas revolucionárias para a sobrevivência e subsistência dos moradores à revelia das dificuldades encontradas na época.

O lugar integra uma das 16 comunidades do Maciço do Morro da Cruz e é também conhecido como Morro da Caixa. A ocupação inicial do Mont Serrat está ligada ao fim da escravidão. Foram, principalmente, as lavadeiras e trabalhadoras domésticas da localidade que mobilizaram grandes mutirões para atender às necessidades da comunidade.

Pesquisadora Cauane Maia

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“São três momentos de ações delas no Mont Serrat. O primeiro são os mutirões, o segundo, a parte da educação. E o terceiro, da profissionalização dos jovens e adultos. Essas mulheres percebem a sua importância como vetor daquele lugar. Criaram espaços de socialização e possibilidades de relacionamento com outras partes da cidade. Criaram uma fábrica de sabão, uma horta comunitária e uma aliança com um peixaria no Norte da Ilha que possibilitou a existência da comunidade”, disse Cauane.

A antropóloga morou durante seis meses na localidade para realizar o estudo, e foi através dos relatos, principalmente de mulheres, que pôde verificar a importância da presença feminina.

“É inevitável não perceber essa construção e como elas atuam ali na comunidade, e também fora dela. Percebo que a próxima geração, outras meninas e mulheres que chegaram depois delas, também se sentem comprometidas com o objetivo de melhorar a condição de vida da comunidade. Não é algo individualizado. Elas querem, buscam e reivindicam. Uma ideia de coletividade que foi germinada e pensada por essas mulheres”, finalizou.

Tia de todos e da Coloninha

Adelir Crispim, mais conhecida como Tia Nininha, trabalha com serviços gerais e mora no bairro da Coloninha, região Continental de Florianópolis, há mais de 40 anos.

Segundo ela, o protagonismo dentro da comunidade começou após fazer festas para arrecadar dinheiro para ajudar crianças carentes da comunidade. É ela que costurava as fantasias da escola de samba do bairro há várias gerações.

Tia Nininha fazendo comida

Reprodução/NSC TV

“Lá [na escola de samba] eu não só costurava, mas cozinhava, era tudo. Fazia parte da comissão das crianças e, na medida que o tempo ia passando, as crianças iam crescendo e eu fazia a fantasia dos filhos daquelas crianças que eu conhecia. Por isso, meu apelido é Tia Nininha”, explica.

No último sábado (5), outra ação foi capitaneada por ela para arrecadar materiais escolares para crianças na comunidade. No cardápio, houve vaca atolada e samba.

“É Tia Nininha para tudo, para velório, para ajuda a fazer comida para casamento e aniversário de 15 anos, e até para levar para o hospital para ganhar neném. Quando vão a minha procura, eu largo tudo e vou lá pra ajudar. O meu eu faço depois e volto para casa satisfeita”, concluiu.

Uma das sobrinhas de Nininha é Ágata Camargo Vicente. A analista de RH é apontada como uma nova liderança da Coloninha. Desde cedo, segundo ela, atua em projetos sociais que abordam o empoderamento e valorização da ancestralidade negra. O processo de se tornar liderança veio com o tempo.

“Foi um processo que foi acontecendo aos poucos eu sentia a necessidade de ocupar alguns espaços que eu via que não tinha representatividade. A partir disso, eu fui buscando contatos e ampliando a rede e aí foi um processo natural”, afirmou Ágata.

Para ela, a luta das antecessoras serviu de inspiração.

“Eu vejo ainda muita similaridades [das demandas do passado com agora]. Porque, na questão social, a gente tem muitas comunidades que não têm acesso a coisas básicas, como saneamento, alimentação, e isso é histórico”, finalizou.

Mulheres empoderadas do Monte Cristo

Jaqueline de Sousa Ribeiro é liderança na comunidade do Monte Cristo e Novo Horizonte, região Continental de Florianópolis, desde 2018. Ela coordena uma associação de mulheres em situação de vulnerabilidade social que busca capacitação profissional e empoderamento dentro da comunidade.

Segundo ela, só no ano passado, 200 mulheres passaram por cursos de cuidadora de idosos, costura, cozinha e saboaria. Muitas, de acordo com Jaqueline, já estão atuando na área.

“Essa mulher não conseguiria fazer esse curso se não fosse dentro da comunidade por existir a demanda de cuidar do filho, da casa ou marido. E a gente trouxe a oportunidade para dentro e elas conseguiram enxergar além”, explica.

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Com o trabalho que vem fazendo, Jaqueline quer fomentar novas lideranças dentro da comunidade.

“[Daqui a 20 anos] Eu me vejo multiplicadora de lideranças. Hoje a minha maior busca é por mulheres empoderadas trabalhando para que mais mulheres e para que meninas se empoderem ainda mais novas”, disse.

Pesquisa

Conforme Cauane, a historia da presença e liderança das mulheres nesses lugares se mistura com a história da própria comunidade.

“A gente percebe que essas mulheres são lideranças políticas, religiosas, arrimos de famílias. E elas não só movimentam a parte econômica do local como também mobilizam toda a ação social, política e econômica daquele lugar”.

Karoline Franciele dos Santos é assistente social e tem um projeto que auxilia outros projetos sociais nas comunidades de Florianópolis e região. Na vivência dela, ela confirma o que foi identificado por Cauane.

Assistente social Karoline

Reprodução/NSC TV

“Por trás de toda a comunidade, tem a figura de uma mulher protagonista, que luta incansavelmente contra as desigualdades e todas as formas de opressão”, afirma.

Foi vendo a luta das mais velhas que muitas jovens se tornaram novas líderes em comunidades de Florianópolis. É com a ajuda das redes sociais que elas vem mudando o local onde vivem.

“As redes sociais se tornaram o nosso maior apoio. Ali a gente mostra o que a gente faz e consegue pessoas que enxergam o potencial do projeto. A gente consegue apoiadores para trazer a possibilidade de um curso para cá, por exemplo”, disse Jaqueline Ribeiro.

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Fonte: G1 SC

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